terça-feira, 4 de setembro de 2012

Brasil ganhará muito se cuidar da educação infantil

Em entrevista concedida ao site (Revista Nova Escola) por e-mail, o professor David K. Dickinson, especialista em alfabetização, da Universidade de Vanderbilt (EUA), afirma que o Brasil poderia ganhar mais do que os Estados Unidos ao investir na Educação Infantil. Dickinson traz na bagagem uma larga experiência com crianças de baixo rendimento escolar. Ele será um dos palestrantes do Seminário Internacional de Educação Infantil, organizado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, que ocorre hoje em Brasília e terá cobertura on-line de NOVA ESCOLA ON-LINE. Acompanhe a entrevista. 

O que se sabe sobre o impacto do que acontece nos três primeiros anos de educação para a alfabetização? David Dickinson Uma boa pré-escola gera reflexos positivos por toda a vida escolar. Em um estudo com crianças de zero a três anos, que haviam nascido com peso abaixo da média, foi identificado que a freqüência a um bom jardim de infância e visitas de educadores aos pais tiveram impacto positivo na linguagem e no desenvolvimento cognitivo. Os benefícios dessa formação se refletiram lá na frente, quando elas completaram 18 anos. Em outro estudo, os efeitos positivos foram observados em crianças da 4ª série. A curto prazo, alguns efeitos também podem ser sentidos. É possível ver a diferença em crianças que já tiveram algum tipo de atendimento quando elas chegam à pré-escola depois dos três anos. 

E o que pode ser dito sobre o a influência da Educação Infantil em outros níveis da educação? Dickinson No meu trabalho nós examinamos o suporte de linguagem oferecido a crianças quando elas estavam com quatro anos de idade, na pré-escola. Observamos cuidadosamente a qualidade de ensino a que as crianças estavam expostas e também obtivemos informações sobre as experiências delas em casa. Além disso, registramos as habilidades lingüísticas que a criança tinha aos três anos, a instrução e a renda dos pais. Descobrimos que a qualidade da linguagem no ambiente da pré-escola influenciou na aptidão para a alfabetização, no final do jardim de infância. Diferenças nessas habilidades no final da 4ª série, quando a criança está aproximadamente com 10 anos, continuavam a ser relacionadas às experiências da pré-escola. Outras análises de dados mostraram que o progresso no jardim de infância e na 4ª série foi fortemente relacionado às capacidades das crianças quando se tornaram jovens adolescentes, com 12, 13 anos de idade. Nossa conclusão foi que a desenvoltura lingüística das crianças mais jovens ajudam a prever a habilidade na alfabetização posterior. 

Quais são os principais tipos de atendimento infantil institucionalizado nos EUA? Dickinson Crianças de zero a três anos são atendidas em centros que oferecem uma boa média de cuidadores por criança. O número ideal é de quatro a cinco crianças por cuidador. As turmas têm de dez a 15 crianças e as salas são equipadas com berços, tapetes, brinquedos e cadeiras de balanço. As crianças têm oportunidade de passar certo tempo fora durante o dia e depois retornar. Às vezes, esses serviços são oferecidos às famílias pobres pelo governo federal. Mas normalmente os pais pagam por eles. Alguns são bastante caros.

Existem instituições voltadas para melhorar o rendimento de crianças de famílias que estejam em condições socias desfavoráveis? Dickinson A competência linguística de um adulto está diretamente ligada ao quanto ela é estimulada enquanto ele é uma criança. Nos EUA, trabalhamos com os pais, ensinando como lidar com as fragilidades e carências do seus filhos em meio ao estresse do dia-a-dia. Esses programas assistenciais são muito populares e têm se espalhado por todos o país e pelo mundo. Contudo, exames rigorosos de vários deles falharam em mostrar se os efeitos são positivos na formação da criança. Já nos centros de alta qualidade, que têm pessoal preparado e sensível às necessidades das crianças, os efeitos são comprovados na redução do estresse dos pais no processo educacional e na melhora dos padrões de saúde e aprendizado das crianças. São instituições que oferecem boa nutrição, espaço adequado, iluminação e ventilação, brinquedos e livros, tempo para descanso e silêncio. Também proporcionam experiências educacionais como ouvir histórias, brincar com adultos, canto e atividades físicas.

Que lições o Brasil, que tem muitas crianças carentes, pode tirar dessas experiências? Dickinson Há intervenções que, direcionadas às crianças de baixa renda, podem ter efeitos benéficos, mas é difícil alcançar o nível de qualidade necessário para se obter efeitos significativos. A maior parte dos centros de atendimento podem ter resultados pequenos, mas importantes a longo prazo. Possibilitar um tempo com os pais, sem as crianças, também pode ser uma oportunidade de capacitá-los para lidar melhor com a educação dos filhos, além de ajudar a reduzir seus níveis de estresse. Colocando um serviço como esse em prática, o Brasil poderia conseguir resultados na saúde e no processo de aprendizagem de seus alunos ainda maiores do que conseguem os EUA. Estudos no meu país mostram melhores efeitos desse tipo de trabalho em populações com maior desvantagem econômica. Mesmo assim, o Brasil precisa ter cautela. O desenvolvimento dos programas tem que levar em consideração as necessidades regionais. Além disso, eles precisam ser avaliados e melhorados regularmente, para que se tenha certeza de que alcançam os objetivos pretendidos. Outro desafio essencial é formar profissionais capacitados para trabalhar com as crianças.

Quais são os custos e mecanismos de financiamento para o atendimento de crianças de zero a três anos nos EUA? Não seria melhor manter as crianças em casa sob os cuidados de suas mães?
Dickinson Nos EUA, o atendimento de crianças de zero a três anos é financiado pelo programa Early Head Start, iniciado em meados da década de 1990. Os serviços são baseados nos centros de atendimento e são prestados às famílias carentes, cujas crianças têm o processo educacional em risco. No que se refere aos cuidados básicos de saúde, a implementação de serviços focados nas mães tem efeitos importantes sobre as crianças. Percebemos que os resultados sobre o desenvolvimento da linguagem e posterior alfabetização são melhores se o programa trabalhar com a capacitação das mães para que elas saibam agir quando a criança começa a falar, por volta dos 14 aos 18 meses de vida. Nos EUA, os dados indicam que existe uma grande lacuna entre os níveis lingüísticos de crianças carentes e não carentes quando elas entram na escola. Esta constatação sugere que o suporte educacional precoce para as famílias mais pobres poderia ser um bom investimento público a longo prazo, certamente com bons resultados no quadro educacional do país.



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